Uma boa ação nesse mundão de m*

Existe a máxima de que nós nunca devemos alardear uma boa ação -- e existe eu, que quero que essa máxima vá para o raio que a parta. Sim, haverá autopromoção da minha pessoa nesse breve texto, mas muito pouca, não se preocupe.

Vou divulgar minha "boa ação" (já coloco entre aspas, pois não foi boa ação coisa nenhuma... já explico) porque geralmente sou uma pessoa rancorosa, sem coração, misantropa com desconhecidos e com uma visão extremamente negativa do mundo -- apesar de não ser necessariamente negativista. Se eu tinha dúvidas até pouco tempo atrás, hoje não tenho mais: a existência, toda ela, não serve a nenhum propósito e no final vamos todos morrer.

As rochas, a água, as plantas e os animais, incluindo nós, não exercemos nenhuma função intrínseca no universo. Aqui eu me separo de outros descrentes ou ateus: de nada adianta criarmos um significado nosso, nem "abraçar o absurdo". Nada tem sentido e inventar uma razão fictícia apenas prolonga a ilusão.

Kierkegaard, o primeiro existencialista, dizia que pelo fato da existência ser absurda nós devemos dar um salto de fé e acreditar em Deus (existencialismo teísta). Ele era luterano. O escritor Dostoiévski tinha uma visão similar, mas era cristão ortodoxo. Isso vai contra os existencialistas posteriores, que pregavam que nós devíamos enterrar as velhas crenças e criar um novo significado para nossa existência; significado que variava entre esses filósofos e escritores.

Mesmo sendo descrente, admiro esse posicionamento de Kierkegaard. Como escrevi acima: não adianta criarmos um significado novo, uma ideologia. Ela será tão faz de conta quanto o significado metafísico da religião.

Quanto à abraçar o absurdo, como disse Albert Camus na sua descarada tentativa de pregar contra o suicídio em O Mito de Sísifo: também é balela. O problema da falta de sentido da nossa existência continua lá, mesmo se "imaginarmos Sísifo feliz", como Camus nos pede. Melhor seria se ele tivesse dito para enchermos a cara e nos anestesiarmos, o que no final dá no mesmo.

Quem me dera, porém, que a falta de um sentido fosse o único problema. Há também o problema de que existir é sofrer. As pessoas positivas e otimistas que me perdoem, mas no fundo vocês também sabem que há mais sofrimento do que prazer na vida. Pior: o sofrimento é a força motriz por de trás da vida. Todos os prazeres que seres vivos sentem são meramente uma fuga de um estado negativo anterior -- uma fuga que precisa ser repetida inúmeras vezes, pois o prazer acaba rápido. A fome sempre bate à porta, enquanto a saciedade dura pouco. O tédio é a regra, o orgasmo a exceção.

Então é isso que penso: a existência, incluindo nossas vidas e as vidas dos nossos pais, filhos, etc, não serve nenhum propósito real e todos nós vamos morrer, provavelmente não aos noventa anos enquanto dormimos, mas de alguma doença debilitante e dolorosa, acidente ou assassinato. Poucos de nós terão a sorte de viver uma vida cega e tapada o suficiente para não vivenciarmos nenhum sofrimento que nos fizesse desejar nunca termos nascido (mesmo que nós não confessemos isso nem para nós mesmos).
Pesado. 
Hoje fui ao shopping perto de onde moro comer no Habib's. Enquanto estava sentado na praça de alimentação, um menino que não tinha mais do que doze anos, loiro, franzino, com roupas sujas e mais feio do que o cão, me pediu para comprar o chiclete Mentos que ele estava vendendo. Rapidamente eu respondi: "não".

Observei ele ir de mesa em mesa, sendo recusado pela vasta maioria, até desaparecer do outro lado do gigantesco local onde todos comiam. Observei, também, outras crianças com seus pais, saboreando aqueles fast-foods maravilhosos. Terminei de comer e fui atrás do moleque. Eram cinco reais por três pacotinhos, mas eu só tinha uma nota de dez e estava na cara que não haveria troco, o que ele confirmou. Disse que ele poderia ficar com os dez, o que fez com que aquele pequeno empreendedor desesperado exalasse felicidade por todos os poros.

Normalmente estou pouco me lixando para pedintes e vendedores de rua. Nem sempre fui assim. Na adolescência me comovia e sempre dava esmola, já que me considerava sortudo por ter uma situação confortável. Eventualmente me desiludi e continuo desiludido.

Fiz essa "boa ação", que no final não vai ajudar EM NADA a vida daquele rapazinho (que diferença fazem cinco míseros reais? Porra nenhuma) porque achei que era o certo naquele breve momento. Geralmente não sou uma pessoa boa, quem sabe isso elimine cinco reais do meu saldo negativo de carma -- e esse foi o momento autopromoção babaca do texto.

Schopenhauer disse que devemos olhar para nós mesmos e para o resto da humanidade como se estivéssemos numa colônia penal, pagando por algum crime, e que por essa razão devemos ter compaixão uns com os outros, inclusive com aqueles que erram gravemente. Ninguém pediu para estar aqui. Somos todos sofredores.

E eu nem sequer gosto do chiclete Mentos.