A Los Muchachos de Colombia

Esse é um texto de Fernando Vallejo, escritor colombiano naturalizado mexicano. Foi lido por ele num discurso feito no encontro Ibero-americano de Escritores em Bogotá no ano 2000. O texto na íntegra e em espanhol pode ser encontrando nos seguintes links: El Tiempo e Verdades Parciales.

Aos rapazes da Colômbia:

Vocês que tiveram a má sorte de nascerem, e no país mais louco do planeta, não sigam a corrente, não se deixem arrastar pela sua loucura, pois embora a loucura ajude a suportar a carga da vida, também pode adicionar infelicidade.

O céu e a felicidade não existem. São contos de seus pais para justificar o crime de trazê-los ao mundo. O que existe é a realidade, a dura realidade: esse matadouro ao qual viemos para morrer, isso quando não matamos e comemos os animais, nossos próximos.

Porque os animais também são nossos próximos, e não apenas o homem como Cristo acreditava. Qualquer um que tenha um sistema nervoso capaz de sentir e sofrer é nosso próximo: os cães, os cavalos, as vacas, os ratos. Meus irmãos cães, meus irmãos cavalos, minhas irmãs vacas, meus irmãos ratos, que também fazem parte da Colômbia.

Portanto, não se reproduzam. Não faça com outros o que fizeram com vocês. Não paguem com a mesma moeda, o mal com o mal, já que impor a vida é o crime máximo. Deixem tranquilos aqueles que não existem, que não estão pedindo para existir, na paz do nada. No final é para lá que todos nós voltamos, então para que perder tempo?

A pátria da qual fazem parte por acaso, da qual fazemos parte por acaso, é um país falido e em debandada. Uma pobre ruína do pouco que antes foi. Milhares de sequestrados, milhares e milhares de assassinados, milhões de desempregados, milhões de exilados, milhões de deslocados, o campo em ruínas, a indústria em ruínas, a justiça em ruínas, o futuro interrompido: isso é o que vocês têm. Sinto pena. Estão piores do que eu estive.

E, assim como eu, que um dia tive que ir embora justamente por causa do que falo aqui (vivo, ao que parece), vocês provavelmente também terão que ir. Porém, ninguém irá recebê-los em lugar algum, porque lugar nenhum precisa de nós ou nos quer. Um passaporte colombiano num aeroporto internacional causa terror: “Quem será? Por que está aqui? O que traz? Cocaína? Irá ficar aqui?”

Não. Não viemos ao mundo para ficarmos. Viemos de passagem, como o vento, para depois morrermos. Às vezes a passagem desse vento causa estragos e tem nome: se chama Pablo Escobar1, se chama Miguel Rodríguez Orejuela2, se chama Carlos Castaño3, se chama Tirofijo4, se chama Gaviria5, se chama Samper6, se chama Pastrana7. Aprendam a dar os nomes corretos para a infâmia.

Quando nasci, encontrei aqui uma guerra entre conservadores e liberais que arrasou com o campo e matou milhares. Hoje, a guerra continua, mas mudaram os participantes: é de todos contra todos e ninguém mais sabe quem foi que matou quem. Ninguém sabe, ninguém se importa, ninguém pensa em averiguar. Por quê? Para quê? Para que, se nenhum assassino será castigado no país da impunidade? Para que, se nosso presidente vai em peregrinação abraçar nosso principal delinquente8, como se com esse abraço dissesse com iniquidade: “matem, roubem, extraiam, destruam, sequestrem, mas completamente, para depois ficarem com o que restar da Colômbia!”

E aqui vamos nós, pelas ruas deste país engarrafado, entre cães e crianças abandonadas, jogando nossos corpos nos buracos, nas balas e nos impostos do governo e das FARC. Mas para onde vamos? Onde pretendemos chegar?

Nós somos muitos e nós já não nos suportamos nem nos encaixamos. Nós nos tornamos um incômodo para os outros, de quem estamos bebendo a água, respirando o ar, contaminando os rios, engarrafando as ruas. O ar vai acabar, a água vai acabar, as ruas já não são suficientes e esses grandes e fantásticos rios da Colômbia que, quando eu nasci, viviam fervilhando com peixes, nós também matamos. Hoje os rios da Colômbia são esgotos que correm para o mar, um dreno de esgoto.

Não se reproduzam, porque ninguém lhes deu esse direito. Quem poderia dar? Deus? Deus que é tão bom e que cuida das crianças e dos cães abandonados que enchem as ruas da Colômbia? Que ele procure ocupação! Deus não trabalha. Isso de que no sétimo dia ele se sentou para descansar... Das crianças e dos cães abandonados que enchem as ruas da Colômbia quem se ocupa é o Papa.

Tive uma vida dura e, permitam-me dizer, a vida será igual para vocês. Um dia tive que ir embora, contra a minha vontade e, permitam-me dizer, vocês também terão que fazer o mesmo. O destino dos colombianos de hoje é ir embora. Se antes não nos matarem, claro. E aos que conseguirem sair, não pensem que vocês conseguirão escapar, pois a Colômbia irá persegui-los aonde quer que vão. Irá segui-los como me seguiu, dia e noite, em todos os lugares, com sua loucura. Algum momento de felicidade efêmera que viveram aqui e que nunca se repetirá em outra parte do mundo irá acompanhá-los até a morte.


1 Escobar liderou o cartel de Medelim até ser morto em 1993.
2 Orejuela foi um dos líderes do cartel de Cali, hoje está preso nos EUA.
3 Castaño foi líder da guerrilha de direita AUC. Morto em 2004.
Tirofijo foi o líder das FARC, guerrilha comunista. Morreu de ataque cardíaco em 2008.
Gaviria foi presidente da Colômbia (1990-1994). Seu governo construiu La Catedral, uma prisão com especificações de Pablo Escobar para servir como seu quartel general, onde ele cumpriria apenas cinco anos e não seria extraditado aos EUA. No final o acordo não deu certo, Escobar fugiu, mas foi morto por tropas do governo.
Samper foi presidente da Colômbia (1994-1998). Sua campanha foi acusada de ter recebido dinheiro do cartel de Cali e ele foi processado. A câmara dos deputados o absolveu por 111 votos contra 43.
Pastrana foi presidente da Colômbia (1998-2002). Seu governo criou uma zona desmilitarizada do tamanho da Suíça para as FARC (guerrilha marxista-leninista) e para o ELN (guerrilha comunista inspirada na teologia da libertação).
O escritor se refere ao encontro entre Pastrana e Tirofijo, onde o presidente abraçou o líder das FARC.