“Que lindo!"

Outro dia saiu uma notícia no G1, portal de notícias da Globo, mostrando uma mãe que interrompeu o tratamento contra diabetes durante a gravidez para não afetar o feto que se desenvolvia dentro de seu útero. O resultado disso foi que ela acabou ficando cega. Nos comentários da matéria, algumas pessoas escreveram que, apesar de respeitarem a escolha da mulher e até acharem o gesto bonito, interromperiam a gravidez ou apoiariam a interrupção—tais comentários, é claro, foram recebidos com raiva por conservadores, direitistas, religiosos, bolsonaristas, etc.

Morte, pintura de Janis Rozentals
Sem querer desrespeitar as pessoas envolvidas, a matéria em si é uma daquelas apelações sentimentais que mostram casos que jamais deveriam acontecer para ilustrar a superação humana. É similar à matérias de jornal que mostram pobres dando duro e vencendo—supostamente isso provaria que o sistema não é injusto, que basta as pessoas se esforçarem, o que é uma total farsa, já que tais casos são raras exceções à regra. Não é lindo saber que o sujeito anda de bicicleta 40 km todos os dias para ir à escola estudar quando vivemos em um país no qual há riqueza suficiente para que todos possam ter uma escola de qualidade perto de casa—e transporte público acessível à todos.

Também não é lindo normalizar ou tornar padrão o sacrifício da perda da visão de uma mulher para que ela possa parir um filho. Concordo que é escolha da pessoa, mas argumentaria que é a escolha errada. A vida se mostra uma desgraça em opções como essas, mas parece que quase ninguém enxerga isso, até mesmo aqueles que defendem a interrupção da gravidez em um caso como esse. O que aconteceu aqui não foi apenas a troca da visão de uma mulher pela vida, que pode ser boa ou ruim, de um novo ser humano. O que aconteceu aqui foi que uma mulher perdeu a visão para trazer ao mundo um ser que irá certamente sofrer, que já nasce dentro de uma estrutura terminal, decadente, da qual não há nenhum escape, nem mesmo na morte, já que morrer também não é um bem—o bem teria sido ficar na potencialidade eterna.