O presidente (e o professor) dos deploráveis

Não há outra maneira de dizer isso: se você é um convicto eleitor do Bolsonaro e "aluno" do "professor" astrólogo, guru de Bolsonaro e seus filhos, você é um dos deploráveis. Enquanto escrevia outro texto para este site (clique aqui para ler), acabei retirando uma seção autobiográfica para que pudesse usá-la em um contexto melhor. Agora esse contexto chegou.

Charge do Iotti
Ao longo da vida, mudei de posicionamentos por três motivos: a busca por um sentido para o mundo, o prazer de assistir aulas e o gosto pela leitura. Podem parecer características lindas e fofas, mas a coisa não é tão linda e fofa assim. A ânsia por aprender pode se tornar uma característica incrivelmente negativa se posta em prática da maneira errada. Sim, estou afirmando com todas as letras que gostar de assistir aulas e ler pode ser algo extremamente negativo dependendo da situação. Explicarei isso melhor dando meu exemplo.

Nessa busca por um sentido, encontrei-me inicialmente na esquerda do espectro político—variava entre a admiração por regimes extintos no leste europeu e a defesa do estado do bem-estar social à moda nórdica. Em determinado momento me desiludi com todos aqueles ideais. Aquilo me deixou triste, mas não houve problema nenhum nisso. Aliás, no caso da admiração por regimes extintos no leste europeu, penso que a desilusão foi boa, já que foram todos umas porcarias. Contudo, por conta de ficar lendo outras porcarias na época, acabei entrando de cabeça em ideias muito toscas—ideias que hoje estão vingando no Brasil dos deploráveis de Bolsonaro e seu astrólogo.

No início dos anos 2000 cheguei a flertar com as ideias do tal astrólogo tresloucado. Porém, graças aos deuses, percebi, ainda naquela época, o quanto as ideias daquele sujeito eram loucas. A vergonha é tanta que, mesmo tendo passado mais de quinze anos desde então, minha burrice ainda me provoca asco. Mas não parou por aí. Apesar de ter percebido a loucura do astrólogo, continuei bebendo de outras fontes que, apesar de não serem tão loucas, ainda eram bem toscas. Isso durou até que, como aconteceu antes, acabei me desiludindo novamente. Dessa vez aconteceu mais rápido e de forma menos "traumática" do que quando me desiludi com os ideais de esquerda, até porque é difícil ficar traumatizado pela perda de um ideário tão imbecil.

Como tudo o que é ruim sempre pode piorar, parei de ler e admirar porcarias conservadoras para ler e admirar outras porcarias—de Ação Humana de Mises para baixo. Foi o início de um período em que caí na baboseira liberal. É por isso que digo que, sem pessoas boas para nos guiar, sem professores de verdade, acreditamos em qualquer idiotice. Não basta gostar de aulas e de leitura quando não temos bons mestres para nos mostrar o caminho. As fontes que eu usava eram tão ruins, que nem para ser um liberal estava lendo as melhores coisas. Até para pregar uma sociedade de mercado radicalmente livre eu poderia ter pego autores melhores do que aqueles. E vale lembrar que naquela época não existiam os MBLs da vida no Brasil—ou seja, a situação piorou de lá para cá, agora essas ideias são patrocinadas, há gente sendo bem paga para divulgá-las.

Mas tudo deu certo e abandonei o barco de mais essa narrativa. Confesso que, para alguém tão ansioso em fundamentar o mundo em alguma narrativa, fiquei perdido por um tempo. Mas, ficar à deriva foi bom. Ao não procurar noções toscas para preencher minha sede por narrativas, percebi que estava aceitando determinadas ideias sem pensar muito a respeito delas. Antes que fique parecendo um texto de superação no qual mostro como encontrei uma narrativa linda para chamar de minha: nada daquilo que fui convencido através do estudo—estudo não mais pautado em um autodidatismo barato, mas guiado por professores de verdade e livros de verdade—nos anos passados tem qualquer ideia que me fará encher demais a paciência dos outros.

É por isso que, apesar de bater na tecla da visão trágica de mundo propagada por pensadores como Schopenhauer, não vou fundar o Partido Pessimista Brasileiro. Não é uma questão de independência, mas de dar o braço a torcer e saber que não estou mais disposto a fazer qualquer coisa por aquilo que hoje penso ser correto em determinados temas cruciais da vida. No entanto, o cenário fica diferente no campo da política: ela é crucial e, felizmente ou infelizmente, vejo-me obrigado a fazer algo, ainda que pouco, como escrever um texto obscuro para um site obscuro.

O governo Bolsonaro e sua base são deploráveis. Quando se diz isso, surgem dezenas de pessoas saídas do esgoto para questionar: "mas e o PT hein, e o Lula?" Não deveria ser necessário falar de PT e Lula quando se critica o atual estado das coisas, mas aqui vai: sim, houve muita corrupção durante os anos do PT, além do que existiu apoio à certas ideias que hoje considero muito ruins, mas que não foram postas em prática—e as considero ruins por razões diferentes das que tinha quando me via à direita. Tendo dito isso, posso retornar ao ponto que estava fazendo.

Eu afirmo que o governo Bolsonaro, seus eleitores convictos e aqueles que seguem seu guru astrólogo são deploráveis, porque sei que essas pessoas todas não leem, é mentira quando dizem o contrário. E aqueles na oposição que dão crédito ao governo Bolsonaro, afirmando que todo o caos atual não passa de uma "distração", são muito burros. Não há distração. O governo Bolsonaro é aquilo que estamos assistindo, é essa zona em que um astrólogo lunático—um sujeito que acredita que a Terra fica no centro do universo e o Sol gira ao nosso redor—xinga os generais que fazem parte do governo, chamando-os de comunistas, enquanto o presidente não faz nada.

Se o Bolsonaro e aqueles que o apoiam lessem os textos do tal astrólogo—eles não leem, mas digamos que lessem—, eles se deparariam com textos completamente imbecis, sem pé nem cabeça, escritos por um energúmeno que passou a vida toda sendo um charlatão. Um sujeito que viveu anos bajulando a ideia de sociedades secretas, que passou parte da vida afirmando ser astrólogo, depois se vendeu como muçulmano, depois se refez como um conservador cristão no estilo mais imbecil e medievalista possível, negando qualquer avanço no conhecimento feito do século XVI para cá. Tudo isso para quê? Para cobrar dinheiro dos seus seguidores.

Após uma vida toda tentando alcançar a fama e o sucesso financeiro, ele conseguiu, depois de alguns anos se vendendo como intelectual conservador e cristão. Isso só foi possível dado o estado lastimável da educação brasileira—que, diga-se de passagem, o PT fez pouco ou quase nada para melhorar de verdade, mesmo tendo tido a oportunidade. Talvez não estivéssemos com essa horda de mortos-vivos mentais se a educação tivesse sido de fato priorizada nos últimos quinze anos.

Nós temos hoje uma massa de pessoas e um governo que acreditam na possibilidade do Brasil ser um país de primeiro mundo com leis análogas as da Arábia Saudita. Não é exagero. Toda a ideia de se aprovar o homeschooling no Brasil vem de setores religiosos conservadores. Eu vivi nos Estados Unidos por um total de cinco anos e conheci algumas pessoas educadas em casa. Posso afirmar que o resultado não é bom. São pessoas que têm sérias dificuldades de entrar em uma universidade e, quando conseguem, têm muita dificuldade de continuar até o final. São bitoladas, essa é a palavra. Geralmente, seus pais americanos estudaram em colégios públicos—alguns têm até diploma universitário—, mas por terem se radicalizado em suas crenças religiosas ao longo da vida, escolheram dar uma educação "cristã conservadora" para seus filhos. Agora, imaginem isso no Brasil. Vejam o perfil daqueles que têm algum anseio de educar seus filhos em casa. A maioria nem o segundo grau tem.

Mesmo se excluirmos o projeto de homeschooling, vamos olhar para o que está acontecendo: vejam os cortes na educação, os cortes na saúde, os cortes em programas tidos como "politicamente corretos". Olhem a imbecilidade que é ter um governo cuja bandeira é a luta contra o politicamente correto. São pessoas que acreditam, por exemplo, que se não fosse o politicamente correto, a sociedade poderia chegar para os moradores de rua e dizer "deixem de ser vagabundos", como se isso fosse magicamente ajudá-los a "tomar jeito na vida", "arrumar emprego", etc. Essa direita tosca não entende absolutamente porra nenhuma de como o mundo real funciona. Não sabem como que a estrutura do mundo—e do nosso país em particular—aloca (e mantém) um determinado número de pessoas na pobreza, algumas delas em situação de total desespero, ao ponto de terem que viver na rua. E isso é apenas um dos centenas de exemplos grotescos que posso dar de crenças toscas tidas pela direita brasileira atual.

Agora o presidente assinou uma medida que libera o porte de armas para jornalistas, advogados, vereadores de qualquer cidadezinha do país e todos os caminhoneiros. Vocês pegam estrada com frequência? Eu pego. O potencial negativo dessa medida é enorme. A justificativa é o fato de que o Estado brasileiro agora prefere armar uma população deseducada do que prover uma politica de segurança pública efetiva. É a mesma lógica por trás da vontade de destruir a educação pública: o Estado agora quer que a sociedade se vire, seja com homeschooling ou colégios particulares, se quiserem ter qualquer tipo de educação razoável. O mesmo será com a previdência: querem que as pessoas se virem. Enquanto isso, não faltam subsídios e perdão de dívidas de impostos para grandes empresas e bancos, por eles supostamente gerarem empregos.

Estão vendo porque uso a palavra "deploráveis"? É o que são todos os que elegeram e apoiam esta desgraça. Pelo menos seria bom se se assumissem. Digam: "nós não lemos livros! Somos ignorantes e temos orgulho da nossa burrice assassina!" Parem de fingir. Colocar livro de astrólogo que acredita em Terra Plana debaixo do braço não faz de vocês inteligentes, pelo contrário, seria melhor serem analfabetos. Não é porque parte de vocês são médicos, advogados e engenheiros, que vocês deixam de ser ignorantes. Vocês são ignorantes, sim. Vocês são toscos, sim. Vocês são inimigos da civilização, sim.

Querem ser de direita a qualquer custo, mesmo que isso os faça perseguir um rumo que nos levaria para uma Idade Média piorada? Tudo bem. Vou dar um exemplo de algo que acreditava quando eu era de direita, da variante liberal. Apesar de todas as críticas que fazia ao marxismo—e qualquer uma de suas interpretações ou variantes—naquela época, eu via na ocupação chinesa do Tibete algo de positivo, porque os chineses, apesar do regime autoritário, trouxeram saneamento básico e ensino de ciências para a região. A escolha para mim era óbvia: entre a maioria do povo ser miserável e acreditar que os lamas são capazes de voar com seus terríveis poderes sobrenaturais ou a maioria do povo ser alfabetizado, ter conhecimento científico e saneamento básico graças a um regime autoritário de esquerda, dado que ambos são autoritários, eu preferia a segunda opção, mesmo quando era de direita. Hoje, muito embora admire o budismo, continuaria preferindo.

O caminho que vocês escolheram para o Brasil é o do obscurantismo. Quando eu falo que há médicos e engenheiros que seguem o guru charlatão do Bolsonaro, não estou inventando. Existem. Esse astrólogo pensa que a física newtoniana e pós-newtoniana é completamente errada. Ele não acredita na lei da inércia. Para ele, a física aristotélica-medieval descritiva é a correta. Se você é dono de um hospital ou de uma empreiteira e contrata um "aluno" desse senhor, você está cometendo um crime, pois está contratando um sujeito que pode matar um paciente ou ser responsável pelo desmoronamento de um prédio. Mas do que adianta falar? Não devem faltar donos de empreiteiras, hospitais e negócios em geral que também seguem o astrólogo e também votaram no Bolsonaro.

Agora que a economia está indo para o inferno, sem sinais de melhora, inclusive com a eventual vitória do governo na reforma da previdência—que o mercado financeiro já não enxerga mais como panaceia—, não tenho muito mais o que dizer. Acho que só resta pedir o seguinte aos empresários e trabalhadores que ainda apoiam esta merda: quando suas empresas começarem a falir e quando as vagas de emprego diminuírem, ao invés de fazerem a arminha com a mão, usem ela para abrir um livro. Aliás, melhor não. Do jeito que são desescolarizados, é capaz de abrirem um livro do astrólogo—ou alguma porcaria do Mises ou a Bíblia Sagrada—e, ao não entenderem nada, pensarão que estão lendo algo muito complexo e verdadeiro. Façam a arminha com a mão mesmo, o dano será menor.