A fantástica (e bizarra) subcultura do Coringa na internet brasileira

O filme Coringa estreou em outubro de 2019. Estrelado por Joaquim Phoenix, essa encarnação do nêmesis do Batman fez um enorme sucesso e acabou rendendo o Oscar de melhor ator a Phoenix. Alguns meses depois do filme estrear, já em 2020, durante os primeiros dias de isolamento social após o começo da pandemia, vi uma postagem feita por um amigo em uma rede social que me fez rir bastante. A postagem mostrava um desenho relativamente bem feito desta nova versão do Coringa, apontando um revólver para nós observadores, com lágrimas nos olhos. O desenho remetia a uma cena do filme em que o Coringa de Phoenix aponta um revólver para Murray, entrevistador-comediante estilo Jay Leno (ou Danilo Gentile, para usar referências brasileiras), interpretado por Robert De Niro.

O que me fez rir não foi o desenho, mas o que estava escrito embaixo dele: ‘“agora vai ter um monte de foto minha com mensagens que eu nunca disse circulando na Internet, tenso né?! sai cmg po, te acho mó gatinha’ - Coringa, 2019”. Devo ter visto imagens aleatórias do Coringa e outros personagens de ficção com frases de efeito rondando a internet durante anos, mas nunca me importei. Foi a partir dessa imagem e das palavras irônicas escritas nela que resolvi procurar mais. O que descobri foi assombroso. Há uma subcultura inteira na internet brasileira — e na vida real — que utiliza o Coringa e palhaços em geral como símbolo de pertencimento. Em parte, há a identificação do palhaço com o mundo do crime e com “a quebrada”1, 2, mas não só: tais imagens são utilizadas em conjunto com frases de efeito, indiretas, frases de romance (ou de rompimento), orações evangélicas e muito mais. Algumas vezes, todas as facetas estão presentes ao mesmo tempo: crime, quebrada, indiretas, frases de efeito, romance, rompimento e orações evangélicas.

O meme que meu amigo postou ironizava isso. Esse e vários outros memes podem ser vistos em uma página de comédia no Facebook chamada Frases que o Coringa nunca disse. Há outra página, intitulada Coringa Cristão, que também ironiza o uso de imagens aleatórias do Coringa — neste caso, o uso feito por evangélicos. Contudo, as páginas irônicas são a exceção. A subcultura leva as imagens com mensagens do Coringa muito a sério. Mostrei para um amigo meu da universidade, Luciano, as várias reações a imagens “sérias” do Coringa com frases de efeito. Ele me respondeu o seguinte: as pessoas parecem tirar forças para viver dessas imagens. É verdade. Parecem mesmo. Muitas não param para entender que estão vendo imagens de um filme, desenho ou arte (geralmente mal-) feita por algum fã, acompanhada de uma frase aleatória, escrita por um anônimo. Na grande maioria das vezes, as frases contém erros grosseiros de português. Quando a imagem é de um filme, diferentes encarnações do personagem são usadas. As principais são: Jack Nicholson, Heath Ledger, Jared Leto e Joaquim Phoenix. Por alguma razão, costumam deixar Cesar Romero de fora.


Há também o uso de imagens, fotos e desenhos de Coringas e palhaços amedrontadores, com frases supostamente impactantes, postadas por pessoas que não necessariamente são do mundo do crime ou da quebrada. Sobre esse uso em específico, recentemente, um outro amigo me disse considerá-lo parte da “cultura Stanley”, termo inventado por ele. Segundo esse amigo, Stanley era o nome de um adesivo que algumas pessoas costumavam colocar na traseira de seus carros, contendo o silhueta estilizada de um palhaço ou bobo da corte. Talvez fosse a marca de algum produto ou coisa do tipo. Não faço a menor ideia. Segundo ele, muitos rapazes colocavam o adesivo nos seus carros e motos. Eram tipos bem específicos, e meu amigo acredita que isso eventualmente evoluiu para a subcultura atual, que utiliza a estética do Joker para divulgar mensagens de efeito, indiretas e orações.

Meu amigo continuou a me explicar como seria um adepto da cultura Stanley. Geralmente, eram homens que sempre estavam com raiva, andavam de cara fechada, mas propagavam a ideia de que tinham um bom coração, apesar do mau temperamento. Eles só eram felizes quando estavam festejando com seus amigos, mas nunca ninguém de fora do seu círculo social via esses momentos — portanto, os de fora eram obrigados a acreditar (sem evidências) que eles, apesar de putos com a vida, tinham um bom coração por debaixo de suas caras de mau. Dei boas risadas com a definição. Minha impressão foi de que os membros da cultura Stanley seriam homens que tomam para si a estética de palhaços e do Coringa, utilizada na quebrada, com o objetivo de passar uma imagem amedrontadora. Ou, talvez, tudo isso não passe de um desvario das nossas cabeças. Vai saber.

Mas o que me marcou mesmo foi aquilo que meu amigo Luciano disse sobre as pessoas tirarem forças para viver de imagens do Coringa e de palhaços genéricos, seguidas de frases de efeito e orações evangélicas. As reações a tais postagens vêm de pessoas diversas: homens, mulheres, jovens, adultos de meia-idade e até idosos. As poucas postagens de teor político mostram uma variedade de reações. Não é minha intenção neste texto retratar essas pessoas como idiotas, nem nada do tipo. Fico me perguntando os motivos que levam dezenas de milhares seres humanos a seguirem páginas e grupos que têm como propósito a postagem de imagens do Coringa com frases aleatórias de motivação, efeito, indiretas e orações. Qual é o apelo daquelas imagens que claramente nem sequer combinam com a grande maioria das frases que as acompanham? Não, as pessoas que seguem e levam a sério tais páginas em redes sociais não são idiotas. Mas talvez subculturas como essa sejam reflexo de uma época muito idiota.