“Como pode um monstro fazer milagres?”

Recentemente mais um líder religioso foi acusado de comportamento altamente inapropriado—e, neste caso, criminoso—por fiéis que o acompanham há anos. A verdade é que abundam exemplos de padres, bispos, pastores, médiuns e até monges budistas, que tanto admiro, fazendo as coisas mais antiéticas e imorais possíveis. É fácil encontrar notícias sobre clérigos que usam drogas, fazem sexo, participam de orgias—e esses são os melhores casos. Nos piores, praticam crimes: abusam sexualmente fiéis, lavam dinheiro e participam de esquemas financeiros e políticos.

O poder da morte, pintura de William Holbrook Beard

Isso choca o povo sedento por alguma crença. Algumas das vítimas perguntam: "Como pode um monstro fazer milagres?" Alguns ficam indignados, com raiva justiceira ao ver as vítimas questionarem sua própria fé. Outros ficam tristes. Identifico-me mais com aqueles que ficam tristes, pois também fico. É muito triste quando a fé de uma pessoa é abalada dessa maneira. É triste quando ela é abalada de qualquer maneira—digo isso porque já tive a minha abalada, anos atrás, e a perdi. Mesmo assim, ao mesmo tempo defendo que todos, por conta própria, enxerguem sua vida sem sonhos e sem ilusões, sejam eles religiosos ou materiais.

Como pode um monstro fazer milagres? Não pode. Não faz. Nunca fez. Sei que é difícil, mas o fato é que o mundo é malignamente indiferente à nossa presença e ninguém, nem nada pode mudar isso. Não há um deus que possa mudar isso, nem existem "milagreiros" que possam alterar esse dado. Também não há salvação na história, na política e na Utopia. É ruim, sim. Mas é a realidade. Quem afirma o contrário está tentando vender algo. Pode-se pensar que viver na ilusão e na mentira é bom, mas discordo. Não é bom, porque essa ilusão e essa mentira nos fazem perpetuar este antigo ciclo de nascimentos que não vai levar a lugar algum, pois a história humana não tem um ponto de realização máxima no futuro. Jesus não voltará, nem construiremos a sociedade perfeita.

A ilusão e a mentira nos fazem colocar pessoas no mundo que jamais pediram para existir. Essa mesma ilusão e mentira faz com que acreditemos que, quando criamos uma nova vida, estamos fazendo um grande favor à este novo ser. Contudo, uma hora ou outra a farsa cai—geralmente tarde demais para impedir grande dor e sofrimento; corações partidos, violências terríveis, velhice, doenças debilitantes, morte dolorosa. Portanto, é preferível dizer não à ilusão. O teatro da afirmação eterna da vida, alegria e juventude esconde uma pilha de ossos retorcidos que não serviram propósito algum senão a continuação de uma espécie desnecessária, assim como todas as outras. Felizes são os lugares do universo onde a matéria orgânica nunca existiu.