Não somos nada

Aurora Boreal, por Frederic Edwin Church

Por quanto tempo você acha que o cosmos preservará vestígios de nossa existência? Muitos de nós já ouvimos alguma versão do seguinte pensamento: para a maioria de nós, em algum momento nos anos seguintes à nossa morte, alguém pensará em nós pela última vez, e então toda lembrança de nossa existência desaparecerá. É algo que aceitamos como parte da vida, a menos que você seja alguém como Napoleão, Genghis Khan, Jesus ou Buda. Mas quando levamos em conta o tempo geológico, mesmo a memória destes indivíduos notáveis existe há pouco tempo. Na escala de tempo cosmológica, é ainda pior. Eles são tão conhecidos para o universo quanto algum sem-teto que vimos quanto éramos criança.

Podemos pensar que, mesmo que a humanidade desaparecesse agora, nossas construções permaneceriam por um tempo incrivelmente longo. Afinal, vemos ruínas de civilizações antigas por toda parte. No entanto, não é assim que funciona. Vivemos num planeta geologicamente ativo. A maior parte da superfície exposta da Terra data de menos de 2,5 milhões de anos atrás. A crosta se recicla quase que completamente a cada 500 milhões de anos. Os cientistas têm muita sorte em encontrar formações mais antigas para analisar rochas,  quanto mais vestígios de fósseis. E por falar em fósseis, a fossilização é muito rara. Ela ocorre apenas em condições específicas. Estima-se que menos de 0,1% de todas as espécies que já existiram conseguiram deixar uma marca no registo fóssil.

Não só isso: nem todo bioma é adequado para fossilização. Por exemplo, as densas florestas do passado não deixaram quase nada. Enquanto isso, mais de 99% de todos os fósseis encontrados pelos cientistas são de espécies marinhas. E, embora tenham sido fossilizados há centenas de milhões de anos no fundo de oceanos antigos, muitos são encontrados em algumas das montanhas mais altas, precisamente porque a superfície do nosso planeta está em constante movimento. Podemos não notar isso devido ao nosso curto tempo de vida, mas depois de 2 a 5 milhões de anos, a maior parte da superfície está completamente alterada. Pense no Tiranossauro. Estima-se que eles existiram em nosso planeta entre 1,2 e 3,6 milhões de anos, e que cerca de 2,5 bilhões de indivíduos da espécie viveram durante esse período. Porém, foram encontrados menos de 100 fósseis individuais de Tiranossauro.

Nossa espécie, o homo sapiens, é muito mais bem-sucedida. Estima-se que cerca de 100 bilhões de homo sapiens tenham existido nos últimos 200 mil anos. No entanto, quanto mais antigos são os restos mortais, mais raros são, não só porque estão bem escondidos, mas porque até os ossos desapareceram, reduzidos a pó pelos processos orgânicos e inorgânicos que ocorrem na superfície da Terra. Mesmo as nossas construções modernas não durarão. As áreas urbanas cobrem apenas cerca de 3% da superfície da Terra, e se formos extintos amanhã, depois de alguns milhões de anos, os processos geológicos apagariam a maior parte, se não todos os vestígios de que alguma vez existimos.

Em 2018, os astrofísicos Adam Frank e Gavin Schmidt publicaram um artigo que questionava: se houvesse uma civilização extinta que viveu num planeta milhões de anos antes, como poderíamos descobrí-la, uma vez que provavelmente todos os vestígios visíveis da sua existência já teriam se apagado? Aplicando a questão ao nosso próprio planeta, eles analisaram um determinado período, há 55 milhões de anos, que deixou uma marca nos registos geológicos indicando que as temperaturas aumentaram de forma anormal devido à liberação de gases do efeito estufa — um processo não muito diferente do nosso próprio aumento de temperatura devido à atividade industrial. Frank e Schmidt apontam para o fato de que já existiam combustíveis fósseis suficientes enterrados sob a superfície terrestre para alimentar uma civilização industrial há pelo menos 300 milhões de anos, e o curto período que eles analisaram foi há “apenas” 55 milhões de anos.

Frank e Gavin descartam a possibilidade de que existiu uma civilização industrial não-humana naquela época. Eles atribuem o aumento anômalo da temperatura a outra coisa. Pode ter sido atividade vulcânica, ou uma liberação repentina de metano oceânico, ou mesmo algum fenômeno natural desconhecido que desencadeou a queima maciça de combustíveis fósseis. O problema é: nunca poderemos saber o que realmente aconteceu. Pode muito bem ter havido outra espécie inteligente que deixou essa marca, mas sem mais evidências, não podemos ter certeza. Talvez uma futura espécie inteligente possa descobrir que existiram criaturas inteligentes na Terra se deixarmos plástico suficiente na superfície para que os registos geológicos mostrem uma camada deste material sintético, juntamente com o aumento das temperaturas. Talvez. Mas se tivéssemos sido extintos na Idade Média, todos os nossos vestígios desapareceriam em cerca de 5 a 10 milhões de anos, provavelmente menos, já que não teríamos causado nenhum impacto grande o suficiente para deixar marcas geológicas.

Se uma espécie inteligente existisse há milhões de anos neste ou em qualquer outro planeta, mas vivesse de uma forma mais ecológica, nunca seriam encontrados vestígios da sua presença. Mas o mesmo acontecerá conosco, mesmo que deixemos toneladas de plástico por aí, mesmo que provoquemos extinções em massa. Talvez estes acontecimentos catastróficos permaneçam durante dezenas de milhões de anos no registo geológico, mas mesmo esse material eventualmente desaparecerá. Depois de um tempo suficiente, nada dura. Pior ainda, o nosso Sol se expandirá devido ao seu ciclo de vida. E embora o Sol não morrerá antes de 5 bilhões de anos, a sua expansão cozinhará a superfície da Terra dentro de cerca de 1 bilhão de anos. Mesmo antes disso, seu brilho terá aumentado tanto que nossos oceanos terão evaporado.

Adeptos da tecno-utopia de todos os tipos, desde vigaristas bilionários pró-capitalismo até fãs de Star Trek socialistas, acreditam que talvez possamos evitar a destruição colonizando o espaço. Segundo eles, primeiro colonizamos o nosso sistema solar, depois a galáxia e, talvez, outras galáxias, se subirmos o suficiente na escala Kardashev de consumo e manipulação de energia. É claro que, para isso, provavelmente necessitemos da ajuda de uma tecnologia de viagem mais rápida que a luz. Mas qualquer tecnologia que nos permita viajar mais rápido que a luz produziria paradoxos de causalidade, independentemente dela ser baseada num tipo de tecnologia de “distorção espaço-tempo”, como a dobra de Alcubierre, ou algum outro método. No entanto, pressupondo que os paradoxos de causalidade não sejam um problema — eles são, mas vamos fingir que não —, 94% do universo atualmente observável já está fora do nosso alcance devido à sua expansão, mesmo que viajássemos mais rápido do que a luz. Se houver astrônomos daqui a alguns bilhões de anos na Via Láctea, tudo o que eles verão serão as estrelas da nossa própria galáxia e algumas galáxias que compõem o nosso grupo local. O resto do céu estará em total escuridão.

Em algum momento no futuro distante, todas as estrelas do nosso grupo local e todas as estrelas da Via Láctea também morrerão. Nenhuma energia estará disponível para realizar trabalho. A entropia terá vencido. Portanto, no grande esquema das coisas, é uma loucura querer continuar para sempre. Ou pensar que somos importantes para além de algumas pessoas. Do mendigo que você viu uma vez na rua até Jesus Cristo, não somos nada no grande esquema das coisas. Poucas pessoas neste planeta esquecido por Deus saberão que alguma vez existimos. E essas pessoas também serão esquecidas rapidamente. Eventualmente, todos morrerão, a humanidade será extinta como a grande maioria de todos os organismos que já existiram. Toda a biosfera será exterminada antes mesmo que esta rocha seja consumida pela nossa estrela moribunda. Napoleão, Genghis Khan, Jesus e Buda terão sido esquecidos muito tempo antes disso tudo acontecer. Nossas tristezas e nossas alegrias, a luta dos insetos que tentam sobreviver na brutalidade da natureza — tudo isso é apenas um triste prelúdio antes do nada.


por Fernando Olszewski


Referências: